— Você conhecia Tarcísio, não?
Se eu conhecera Tarcísio? Quando, com dezessete anos, eu estava prestes a me formar no colégio, Tarcísio me disse que faríamos a mesma graduação e dividiríamos um apartamento quando trabalhássemos em empresas grandes e distantes das casas de nossos pais. Ele provavelmente tinha em mente apenas cerveja e os happy hours na sala de estar, mas fantasiava com convicção.
— Não quis ser intrometida, vi pelo aplicativo de encontros. Desculpa, não sei direito como falar sobre isso… Eu o conheci por lá. Saímos juntos há algumas semanas, tomamos um café, falamos em fazer outra coisa qualquer dia desses. Talvez a gente nunca mais combinasse nada, mas…
Tarcísio partira há menos de duas semanas. Não deixara bilhete e nem fizera cerimônias. Todos souberam pelas redes sociais, mas poucos eram tão próximos. Poucos souberam por um telefonema ou levaram um abraço para Dona Carmina, mãe de Tarcísio. Bastaram alguns dias para que seu nome desaparecesse das conversas no escritório e postagens emocionadas na internet.
Enquanto recordações alegres rodavam em meu cinematógrafo mental, a moça à minha frente lutava com as palavras para expressar sua aparente melancolia. Ela era a primeira combinação em um aplicativo de encontros que me chamara para sair, ainda que tivéssemos trocado meia dúzia de palavras. A cafeteria na qual estávamos era a mesma na qual eu dividira tantos fins de tarde com Tarcísio. Ele gostava de encontrar pessoas ali e, quando estava sozinho, sentava às mesas na calçada com a esperança de ser encontrado.
— Isso que eu sinto… Acho que não tem nome.
Concordei. Mas o melhor a fazer era mudar de assunto. Vacilamos entre programas e bandas, mas nada amenizava o desconforto daquele encontro. Fiz menção de ir embora e ela insistiu por companhia.
Foi ela quem, diante de um silêncio intrincado, sugeriu terminar o encontro em um quarto de hotel a algumas quadras de distância dali. Foi ela também quem pediu a chave e tomou a frente em um caminho decorado até o quarto andar. Ela quem primeiro se despiu de qualquer constrangimento, de modo que restasse apenas a carne.
Fomos nós quem, calados, trocamos fluídos e toques.
Escorada no parapeito da janela, ainda nua e ressudada, ela acendeu um cigarro. Assistimos, em silêncio, algo na televisão a cabo. Dividimos as contas do café e do hotel. Despedimo-nos como dois estranhos e eu caminhei em minha própria companhia até o metrô.
Passava das duas da madrugada quando, já em casa e cansado de tanto rolar em minha própria cama, arrastei uma cadeira da mesa de jantar para a sacada e, enrolado em um cobertor, encarei a noite por horas na intenção de esperar acordado por mais uma aurora.
Eu já estaria dormindo antes do sol espiar no horizonte, mas tenho a impressão de que, antes de pegar no sono, vi um casal despedir-se com demorados beijos na entrada do prédio vizinho. Eu os via repetir aquela cena há anos, trocando abraços demorados e afetuosos a cada “até logo”, falando em saudade antes mesmo de soltarem as mãos. Todavia, eu nunca pensara neles como pessoas: até ali, eram apenas parte da vista de minha sacada.