
Eu tive meu primeiro blog com 8 ou 9 anos de idade. Lembro que os temas giravam em torno dos interesses de uma criança da minha época: os novos jogos online (Ragnarok e Mu Online eram novidades), os filmes que passavam no cinema da minha cidade ou todas as coisas divertidas que eu poderia fazer com acesso à internet.
Eu era uma criança curiosa e criativa, com um computador relativamente potente e uma conexão banda larga. Consequentemente, a blogosfera e os fóruns eram meus lugares favoritos na internet (quem aí lembra do forumeiros?).
Em 2009, com 15 anos, eu descobri pela primeira vez uma “fórmula mágica” para construir um blog com algum sucesso. Funcionava mais ou menos assim:
Eu tinha um blog de música. A ideia inicial era escrever sobre guitarra. Eu estava aprendendo a tocar e só queria falar sobre isso (e sobre Guns N’ Roses).
Em determinado momento, tive a brilhante ideia de usar o blog para explorar e avaliar bandas independentes. Na época, as bandas publicavam seus trabalhos em lugares como MySpace e PalcoMP3. Toda a divulgação era orgânica, e as comunidades em fóruns ou mesmo no Orkut acabavam sendo os melhores espaços de divulgação para aquela galera.
Meu processo era simples: eu entrava nas comunidades de bandas independentes, percorria os tópicos do tipo “Apresente sua banda” e ouvia os trabalhos das bandas que encontrava, uma a uma.
Se eu gostasse, escrevia. Se eu não gostasse, ia para a próxima. O pulo do gato era a minha cara de pau de enviar um recado nas páginas da banda dizendo algo como “Escrevi uma matéria sobre vocês no meu blog. Aqui está o link”. (Um orgulho que eu sinto é de ter ouvido e escrito sobre a Maglore antes de todos vocês)
Mesmo sem eu pedir, as bandas colocavam as matérias que eu escrevia nos seus perfis. Quando outros usuários encontravam esses perfis, acabavam caindo no meu blog. Como eu era um adolescente com bastante energia, escrevia e publicava bastante, e os links para minhas matérias começaram a se espalhar por vários perfis no Orkut.
Assim, sem muito esforço, meu tráfego passou de cinco ou seis pessoas por dia para um pico de 100 visitantes em um dia. Em tempos de plataformas, pode parecer pouca coisa. Mas, para a época, era um público relevante, especialmente para um blog de nicho, com menos de três meses de existência e sem qualquer investimento financeiro.
As pessoas de fato liam (e comentavam). E as bandas trocavam ideias comigo – mesmo aquelas que eu acabava encontrando depois de ver em algum programa de TV.
Um outro aspecto legal é que muitas dessas conexões acabavam extrapolando os tópicos do Orkut e as páginas dos comentários. Lembro de ter trocado várias ideias por MSN Messenger com o Cícero, de uma banda chamada Assedio Social, que apareceu no Caldeirão do Huck e que figurou em alguns posts do meu blog.
Depois de um tempo, meu “hiperfoco” se deslocou para outra coisa e acabei fechando o blog. Um erro do meu “eu adolescente” que meu “eu adulto” jamais perdoará. Se eu tivesse continuado aquele projeto, quem sabe onde eu estaria hoje?
Essa história aparentemente boba sempre me vem a cabeça quando me proponho a pensar sobre projetos a longo prazo e canais de conteúdo para os dias de hoje. Afinal, o cenário mudou bastante, e a dinâmica das plataformas de hoje em nada lembra o saudoso Orkut.
Não há como voltar àquele tempo, mas sinto que podemos refletir sobre isso e extrair algumas lições para nós, profissionais da economia criativa, que desejamos nos posicionar e criar conteúdo em uma web que vive um momento bastante difícil.

Saindo do meu breve relato, volto à questão inicial: o que podemos (re)aprender com os tempos de ouro da blogosfera?
Métricas de vaidade ou objetivos de carreira?
As chamadas “Métricas de vaidade”, que hoje traduzem likes e visualizações em posts nas redes sociais, já existiam no tempo da blogosfera. Inclusive, era comum colocarmos aqueles “contadores de cliques” para monitorar quantas pessoas já tinham entrado em nossos blogs. E, sim, nosso sistema nervoso nos recompensava a cada novo comentário.
Elas não são, hoje, mais “importantes” do que eram na época. Ainda buscamos alcançar mais pessoas e gerar mais engajamento. E aí precisamos fazer uma distinção importante:
Para quem produz conteúdo pelo mero objetivo de produzi-lo e monetizar com ele precisa, de fato, estar atento a essas métricas. Não há como fugir desse ritmo ditado pelas plataformas atuais. Quem produz conteúdo para o Instagram com o intuito de ganhar dinheiro precisa lembrar que, no fim do dia, ainda tem um patrão – seja ela o Zuckerberg ou o próprio algoritmo.
Mas o grande erro é achar que estamos todos nas redes sociais com os mesmos objetivos. Na medida em que me proponho a falar com um grande grupo de profissionais da economia criativa, identifico um público que está mais interessado em utilizar o conteúdo como um meio para obter outras coisas: melhores oportunidades de trabalho, networking, construção de autoridade, manutenção de portfólio…
Para essa galera, parto da premissa de que a “qualidade do trabalho” precisa vir em primeiro lugar. Ou, pelo menos, o conteúdo precisa comunicar diretamente com os objetivos e as potencialidades da pessoa que produz.
Ilustro meu argumento com outro relato pessoal: quando tentei entrar na agência de publicidade onde comecei minha carreira na comunicação, eles me dispensaram de um teste prático porque o gestor havia visualizado as coisas que eu produzia em um perfil do instagram voltado ao meu trabalho como freelancer em revisão de textos.
Na época, o meu objetivo não era criar um portfólio, mas sim atrair clientes. E eu fazia os posts daquela conta com todo o capricho. No fim das contas, minhas publicações convenceram os meus novos chefes de que eu teria qualidade para agregar ao trabalho da agência, mesmo que eu não tivesse uma formação específica na área de comunicação ou me posicionasse como designer ou mesmo redator. Modéstia a parte, eles estavam corretos.
Recentemente, tive esse insight quando comecei a olhar para os conteúdos que vinha produzindo no meu instagram profissional. Eu comecei a me preocupar mais com o formato, as visualizações, o roteiro que “viraliza”, o tempo de retenção… E me esqueci que meu objetivo não é, no momento, virar um criador de conteúdo. Eu quero conhecer outros criativos, trocar ideias, encontrar talentos para trabalhar comigo e chamar a atenção para minhas ideias e meu trabalho.
Nesse contexto, o número de visualizações jamais será tão importante quanto as conexões que um conteúdo é capaz de gerar ou mesmo sobre a impressão que ele causa em quem está tentando me conhecer e entender o que eu faço.
Em síntese: o “como” e “o quê” precisam partir dos “porquês”.
Conexões e comunidades

O MSN não existe mais, mas hoje temos o Discord. E os grupos de WhatsApp ou Telegram.
Os fóruns perderam relevância, mas ainda existem – e constituem comunidades bastante engajadas em torno de assuntos de nicho.
Isso sem falar que o Reddit é um lugar incrível para ter boas discussões. E, ainda que eu não seja muito fã, devo registrar que existem muitos grupos ativos no Facebook.
O Orkut morreu, infelizmente, mas nunca foi tão fácil ter um blog ou montar o próprio site. (Alô, sr. Orkut, quando chega a nova rede social que você prometeu?)
As listas de e-mails ficaram no passado, mas as newsletters, por outro lado, vivem um grande momento.
E, além de tudo isso, temos as plataformas de redes sociais como o Instagram e o TikTok – que, mesmo sem querer, podem acabar entregando nossas ideias para alguma bolha que se interesse por elas.
Isso sem falar das redes sociais descentralizadas sob o protocolo do ActivityPub. Para quem busca conexões com desconhecidos e feeds à moda antiga (cronológicos e sem anúncios), o Mastodon é um lugar incrível.
Em resumo, meu argumento é de que os espaços mudaram, as dinâmicas também, mas uma boa cara de pau que supere o medo da rejeição é uma arma poderosa para quem busca vencer o algoritmo e criar conexões (em tempo, isso é um autocrítica).
Se o meu “eu de 15 anos” tem algo a ensinar para o meu “eu adulto” – e muitos outros profissionais da economia criativa – é que criar e publicar é importante, mas o que faz a diferença é se apresentar, se incluir na conversa e dar o primeiro passo na construção de uma possível conexão. Nossos perfis e conteúdos não podem ser trincheiras.
Além disso, quais são nossas atitudes quando alguém se propõe a “botar a cara” e comentar as coisas que fazemos? Estamos levando a conversa adiante? Ou tratando essas pessoas como parte dos números que os paineis das plataformas entregam para nós? (Mais uma autocrítica)
Casas, shoppings e terrenos

Gosto de pensar na internet como uma cidade interminável, cheia de shoppings centers, lojas, cafés, casas, becos… Enfim, você pegou o raciocínio. Nem preciso comentar que essa “cidade” está atulhada de informação e poluição visual. E nós transitamos por ela todos os dias.
Nessa cidade, é difícil encontrar as coisas. Há quem tente colocar placas por todo o lado (alô, curadores), mas simplesmente há ruas demais e lugares demais. Então acabamos caminhando por aí e encontrando as coisas meio ao acaso. Nesse processo, acabamos atraídos por algumas vitrines, ou mesmo perambulamos por tempo demais dentro de um mesmo shopping e esquecemos de sair para fora e pegar um sol.
E, claro, há pessoas demais. A cidade não dorme – e todos estão muito ocupados e cansados. As “metrópoles” sempre acabam afastando e anonimizando as pessoas.
Mas ainda podemos fazer boas escolhas.
Uma delas é não construir nossas casas em terrenos alugados. A promessa de gratuidade é ilusória. Você pode construir uma bela mansão nos terrenos de Zuckerberg – e, do dia para a noite, baterem em sua porta e te mandarem para o olho da rua.
Outra é trocar os shoppings agitados, onde andar e olhar é de graça mas todo o resto é sobre dinheiro, por lugares mais calmos e menos lotados. Para quem não tem muito dinheiro, há parques abertos onde lojistas e ambulantes não são bem recebidos. Para quem está disposto a gastar um pouquinho, há bons cafés em ruas tranquilas.
Peço desculpas se fiquei tempo demais preso à analogia, mas espero ter expressado com clareza meu argumento. Em síntese, existem duas internets: a que o mercado propõe e a que a comunidade constrói. E você pode trocar seu “medo de estar por fora” (FOMO) pelo prazer de “pertencer a algum lugar”. (Ok, essa é a última autocrítica velada desse texto)
Trocando tendências por interesses
Neste tópico, serei breve e objetivo.
“Passear” pela rede social me dá a impressão de que falamos todos dos mesmos assuntos, fazemos as mesmas piadas, vamos aos mesmos lugares, vestimos as mesmas roupas e defendemos as mesmas ideias.
Essa é a tal da “performance” que virou palavra do momento? Não sei se é tão simples assim.
O que importa é que estou menos preocupado com o que está todo mundo falando e mais curioso com o que todos estão ignorando. Pode ser que essas coisas só estejam lá esquecidas porque não são tão boas assim, e isso acontece em boa parte dos casos. Mas, nesse lugar de repetições, eu prefiro ser aquele que traz coisas novas para a conversa. E você?
No tempo em que eu tinha blogs, eu não tinha uma “linha editorial”. Eu escrevia o que vinha na cabeça. Meu “eu adulto” que trabalha com comunicação jamais cometeria um “pecado” desses, mas eu olho para o meu passado com uma certa admiração. Aquilo sim era liberdade criativa.
Meia dúzia de palavras antes do “Publicar”
Meu propósito aqui, de modo algum, é disseminar saudosismo. Acho que meu texto deixa isso nas entrelinhas.
O que proponho com ele, na verdade, é abrir uma série de conteúdos que se preocupam com um problema nuclear: “Como construir carreiras sólidas e conexões genuínas nessa ‘nova’ economia criativa?“.
Espero que, com o tempo e essas reflexões, cheguemos juntos a alguma resposta.
Sinto que deixei algumas coisas passarem, inclusive de lições que eu poderia extrair do meu próprio relato. Mas é para isso que servem as lacunas, não é? Para que o leitor possa se inserir nelas.
Declaro aberta a seção de comentários – ainda que tenha poucas expectativas de que qualquer pessoa deixará duas ou três palavras nela.

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